Um professor no leito de morte
Estou partindo. Como sei disso? Sempre pedi a Deus que quando eu não pudesse mais contribuir com aqueles à minha volta, ele poderia me levar. Pois que propósito há nessa vida, a não ser marcar a vida de alguém com um legado vigoroso nessa sociedade moralmente raquítica? Minhas mãos fraquejam, minha mente já não é a mesma, até mesmo minha dicção está esquisita – assim como as demais máquinas, meu corpo está dando sinais de que em breve vai parar de “funcionar”.
Muitos dizem que já fiz minha parte, já dei minha contribuição à sociedade, mas interiormente eu sinto que faltou algo. Sei que você pode dizer que isso é mal de professor, pois sempre achamos que ainda há algo a fazer, a melhorar, a ensinar. Somos uma classe irritantemente dedicada a fazer mais e melhor (alguns – ou todos – se esgotam por conta disso). O pensamento que martela a minha cabeça dia após dia é o fato de eu não ter ajudado o suficiente, de não ter deixado um legado.
Mas qual é o legado do professor? São os diplomas na parede? São os inúmeros cursos e titulações recebidas? É o reconhecimento das organizações internacionais? Formação acadêmica é alicerce, é bastidores, é sustentação interna, e não status, fator de marketing ou promoção pessoal. Os mestres mais jovens são extremamente tentados a cair nessa falácia. Porque isso não significa o legado de um professor.
Será que então a minha experiência docente é o meu legado? É a importância ou excelência dos estabelecimentos de ensino que lecionei? Será que um bom centro de estudos constrói o legado de um professor? Sou extremamente grato a todos os maravilhosos lugares em que trabalhei, mas nenhum deles, por si só, foram capazes de construir esse legado. Eis outro equívoco que meus colegas que dão seus primeiros passos no magistério cometem: acham que, se conseguirem uma vaga nesta ou naquela instituição, se tornarão homens e mulheres de respeito na profissão. Onde esses meninos e meninas estão com a cabeça?
Alguém me disse que meu legado está nas obras que escrevi. Ainda não sei se concordo ou não com essa pessoa. Porque hoje em dia muitos escrevem qualquer coisa sobre qualquer assunto. Já foi época em que escrever era um sinal de “extravasamento” de conhecimento – quase que como uma válvula de escape, para que a “represa” do cérebro daqueles grandes autores não “rompesse” com tanto conhecimento a ser compartilhado. Posso ter dado alguma contribuição nesse sentido, mas tendo em vista o nível de autores que temos atualmente, às vezes questiono o fato de meus livros ainda estarem disputando espaço nas prateleiras com esses “fast-food” intelectualóides que vemos por aí. Mas isso é assunto pros meus herdeiros, eles que decidam depois que eu partir…
Depois de um período de reflexão angustiante, analisando os pontos anteriores e buscando encontrar qual foi o legado que deixei como professor, encontrei apenas uma resposta. Ela não é impactante, inovadora, nem fará de mim um popstar do magistério, mas é a resposta que me trouxe paz: meu legado está naquilo em que meus alunos se tornaram. Depois de todos esses anos, entendi que a minha realização como professor não está necessariamente em algo que eu mesmo possa fazer, mas naquilo em que meus alunos possam se tornar.
É isso! Esqueçam a noção de sucesso que esse mundo traz! Um professor de sucesso é aquele que consegue influenciar seus alunos, de forma que eles se tornem pessoas que contribuam positivamente com a sociedade, que ajudem a fazer com que nosso mundo se torne um lugar menos caótico para se viver! E isso não tem a ver apenas com alcançar profissões valorizadas na sociedade, mas seja onde estiver, qual salário tiver, o lugar onde morar, que tenham princípios, que sejam relevantes, que a moral cristalina deles brilhe numa sociedade nojenta e corrupta.
Tenho alunos que se tornaram médicos, engenheiros, vendedores, advogados, servidores públicos, garis, pastores, empresários, taxistas e até mesmo professores (mas que gente doida escolher uma profissão dessa!). Eles estão, cada um em sua esfera de atuação e influência, contribuindo para o bem da sociedade. Ah, isso sim é legado – invisível, não contabilizável, mas espalhado por aí, como um bom perfume inspirando nosso mundo. Posso sentir esse bom aroma, e embalado nele posso, enfim, descansar em paz. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Deus os abençoe!
(Esse é um relato ficcional. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência…ou não)